STJ volta a julgar extensão da cobertura de tratamentos por planos de saúde

A 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça deve retomar nesta quarta-feira (23/2) o julgamento de recursos para definir se a lista de procedimentos de cobertura obrigatória dos planos de saúde é só exemplificativa ou se deve ser entendida de forma restrita.

Cabe aos ministros decidir, portanto, se as operadoras de planos de saúde podem ser obrigadas a cobrir procedimentos que não estejam elencados na lista — ou seja, se o rol da Agência Nacional de Saúde (ANS) é exemplificativo (e portanto pode ser extrapolado), ou taxativo (e deve ser seguido à risca, sem a obrigação de cobrir mais nada).

O julgamento já tinha começado em setembro de 2021, mas foi suspenso após pedido de vista da ministra Nancy Andrighi. Antes disso, o relator dos recursos, ministro Luis Felipe Salomão, votou pela taxatividade da lista editada pela ANS, sustentando que a elaboração do rol tem o objetivo de proteger os beneficiários de planos, assegurando a eficácia das novas tecnologias adotadas na área da saúde, a pertinência dos procedimentos médicos e a avaliação dos impactos financeiros para o setor.

Entretanto, o relator ressalvou hipóteses excepcionais em que seria possível obrigar uma operadora a cobrir procedimentos não previstos expressamente pela ANS, como terapias que têm recomendação expressa do Conselho Federal de Medicina e possuem comprovada eficiência para tratamentos específicos. O ministro também considerou possível a adoção de exceções nos casos de medicamentos relacionados ao tratamento do câncer e de prescrição off label — quando o remédio é usado para um tratamento não previsto na bula.

Respaldo científico Salomão destacou que a Lei 9.961/2000, que criou a ANS, estabeleceu a competência da agência para a elaboração do rol de procedimentos de cobertura obrigatória. Ele também apontou que a Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/1998), em seu artigo 10º, parágrafo 4º — cuja redação mais recente foi dada pela Medida Provisória 1.067/2021 —, prevê que a amplitude das coberturas no âmbito da saúde suplementar, inclusive de transplantes e de procedimentos de alta complexidade, será estabelecida em norma editada pela ANS.

No campo doutrinário, o ministro apresentou posições no sentido de que o rol, além de precificar os valores da cobertura-base pelos planos de saúde, mostra a preocupação do Estado em não submeter os pacientes a procedimentos que não tenham respaldo científico, evitando que os beneficiários virem reféns da cadeia de produtos e serviços de saúde.

Em seu voto, Salomão ressaltou que a Resolução Normativa 470/2021, que entrará em vigor em outubro próximo, fixa o rito para a atualização do rol de procedimentos e eventos em saúde. Para a atualização da listagem atual (Resolução ANS 465/2021), disse o relator, foi realizada ampla consulta pública, que resultou na incorporação de 69 novos procedimentos.

“Portanto, a submissão ao rol da ANS, a toda evidência, não privilegia nenhuma das partes da relação contratual, pois é solução concebida e estabelecida pelo próprio legislador para harmonização da relação contratual”, afirmou.

Ainda de acordo com o ministro, se o rol fosse meramente exemplificativo, não seria possível definir o preço da cobertura diante de uma lista de procedimentos indefinida ou flexível. Para ele, o prejuízo ao consumidor seria inevitável, pois se veria sobrecarregado com o repasse dos custos ao valor da mensalidade — impedindo maior acesso da população, sobretudo dos mais pobres —, ou a atividade econômica das operadoras ficaria inviabilizada.

Ao defender a taxatividade do rol da ANS como forma de proteger o consumidor e preservar o equilíbrio econômico do mercado de planos de saúde, Salomão lembrou que, por razões semelhantes, diversos países adotam uma lista oficial de coberturas obrigatórias pelos planos, como a Inglaterra, a Itália, o Japão e os Estados Unidos.

ANS Na mesma resolução citada pelo ministro Salomão, que ampliou a lista de procedimentos autorizados, a diretoria colegiada da ANS aprovou uma mudança na norma, determinando que o rol passasse a ser taxativo.

Até então, o artigo 2º da normativa dizia que “as operadoras de planos de assistência à saúde poderão oferecer cobertura maior do que a mínima obrigatória prevista nesta RN e em seus Anexo”.

A versão 2021 do documento incluiu no texto que “para fins de cobertura, considera-se taxativo o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde disposto nesta RN e seus anexos”.

Controvérsia A questão chegou à 2ª Seção depois que a 4ª Turma do STJ decidiu mudar a própria jurisprudência sobre o tema. Até o julgamento do REsp 1.733.013, o colegiado considerava o rol exemplificativo, assim como a 3ª Turma, que também trata de temas de Direito Privado. A mudança de entendimento na 4ª Turma também foi proposta pelo ministro Salomão.

Entre os que defendem a taxatividade do rol da ANS, os argumentos são principalmente de segurança jurídica dos contratos e proteção ao consumidor — na linha do voto de Salomão na 2ª Seção. Se o rol não for taxativo, alegam os defensores dessa corrente, as operadoras de planos de saúde terão de repassar custos imprevisíveis para os consumidores.

Por outro lado, a defesa do rol como exemplificativo é baseada no direito fundamental à vida e à saúde, princípio constitucional. Para essa vertente, não cabe à ANS nem aos planos limitar os tratamentos indicados pelo médico, que afinal é o profissional competente para avaliar o que o paciente necessita.

É o que pensa, por exemplo, a advogada e especialista em Direito Médico, Mérces da Silva Nunes, sócia do Silva Nunes Advogados Associados. “Revela-se imprescindível que a 2ª Seção do STJ mantenha o entendimento acerca da natureza exemplificativa do rol de procedimentos e eventos em saúde para que seja protegido e preservado o direito fundamental à saúde dos pacientes, em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana — princípio fundante do Estado Democrático de Direito e do direito à vida e à saúde, alçados à categoria de direitos fundamentais pela CF/88”, opina.

Também se destaca o argumento de que a lista da ANS só é atualizada uma vez a cada dois anos. Assim, ao longo desse período, as inovações científicas e tecnológicas não poderiam ser absorvidas e implantadas no país, o que também afronta o direito à saúde.

 

O Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS), em nota assinada por Ernesto Tzirulnik e Inaê Siqueira de Oliveira, endossa esse argumento, e chama a atenção para a existência de lobby das operadoras de saúde junto à ANS, fator que também contribui para que alguns procedimentos não sejam incluídos na lista.

A nota afirma ainda que a justificativa de manutenção do equilíbrio financeiro das operadoras de saúde na verdade é uma “roupagem técnica” para “diminuir coberturas, manter custos comerciais elevados e aumentar margens de lucro”.

“Por que a adequação do tratamento médico às necessidades concretas do segurado deve ser sacrificada em prol dos índices de sinistralidade das carteiras e da receita das seguradoras?”, questionam. “No argumento em prol do ‘equilíbrio financeiro e atuarial’, não se vê crítica alguma aos ‘custos de comercialização’, a respeito dos quais há pouca transparência. Com frequência abusivos, os custos de comercialização drenam dinheiro dos prêmios, pagos pelos segurados, e impactam mais as contas do seguro do que o uso de eventual procedimento ainda não carimbado pela ANS”, argumentam. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

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